A unificação de vários processos seletivos na figura do Exame Nacional do Ensino Médio, sem dúvidas, atribuiu maior democracia a um mecanismo de acesso ao ensino superior que segue problemático.
Se houve prejuízos, por um lado, à lógica mais contextual dos vestibulares tradicionais, houve ampliação de possibilidades de ingresso na universidade, já que os candidatos podem concorrer a vagas em todo o país com um só exame.
Mas outro efeito colateral próprio desse mecanismo ficou ainda mais evidente: a condução de objetos do conhecimento em função da aprovação mais do que, muitas vezes, do aprendizado. Não é de hoje que a escola, especialmente no ensino médio, concentra-se bastante na preparação de estudantes para a avaliação externa. Mas tenho a sensação – e é mesmo uma percepção meramente pessoal – de que isso se intensificou.
Certamente por influência de forças econômicas e ideológicas, (alô, liberalismo! Alô, capitalismo!), as escolas têm compreendido que sua relevância social está diretamente associada aos números que estampa. No “marketing de aprovações”, então, à medida que a preocupação com o Enem aumentou, surgiram práticas como a de estimular estudantes a participarem de processos seletivos pelos quais não se interessam essencialmente, mas cujos resultados farão bem à publicidade.
Se a questão é sistêmica, o que cabe a nós, na sala de aula? Não é pergunta retórica, não. Também não é uma deixa autoconcedida para uma resposta pronta. É convite, mesmo. É partilha. É um “sério, conta pra mim o que você pensa sobre isso!”. Do lado de cá, tento manter o significado pedagógico dos objetos do conhecimento, partindo deles para alcançar aprendizados significativos e, por efeito, atingir a tal meta numérica de aprovações. Não é possível sempre, mas, sempre que é possível, dá aquela sensaçãozinha boa de missão cumprida.
Nesse processo de reflexão, cabem ainda algumas outras preocupações ou problematizações. Ainda é importante refletir sobre o que acontece com o estudante depois do Enem? Ele recebe preparação para esse pós-vestibular? O que diz sobre nós o fato de as escolas precisarem balizar sua relevância por índices tão descontextualizados? Há modos de levar em consideração mais o desenvolvimento das habilidades e das competências que o Enem avalia do que necessariamente concentrar nosso planejamento do estilo de questões, no estilo de correção, no estilo de tempo da prova…?
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