Redação e Linguagens
Prof. Dawton Valentim
2º e 3º parágrafos
O Exame Nacional do Ensino Médio espera encontrar nos candidatos cidadãos aptos a defenderem uma tese complexa, por meio de argumentação consistente e conectada a uma proposta de intervenção efetiva, praticável e detalhada. Nesse sentido, o desenvolvimento, composto pelos dois parágrafos do meio, configuram o coração do texto que se pretende ser dissertativo e argumentativo. É aqui que as ideias serão desenvolvidas a fim de convencimento.
Tais partes do texto serão fundamentais para a avaliação de sua argumentação (Competência III), em termos de seleção dos argumentos, associação entre eles, interpretação das informações, relação com os pontos de tese e coerência de ideias, tanto interna (com o próprio texto) como externa (com a realidade dos fatos). Mas, para além disso, será avaliada também a sua habilidade de conectar textualmente os parágrafos, por meio dos conectivos interparágrafo, analisados pela Competência IV, que também avalia a ligação entre os períodos.
Aqui, não adianta apenas saber ou ter decorado repertórios! É preciso desenvolvê-los, mais uma vez, de maneira estratégica e crítica. Considerando essas complexidades, analisaremos apenas um exemplar de desenvolvimento, o de Marina Rocha, lembrando que sua tese era a de que a ausência de ações governamentais efetivas e de debates sociais sobre o a desigualdade entre as pessoas que possuem registro civil e aqueles que não possuem se destacam como causas.
"Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil", por Marina Rocha
A princípio, destaca-se a dimensão política dessa discussão. Segundo o filósofo francês, Rosseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. No entanto, essa premissa se distancia da prática brasileira, pois a lei de 1997, que determinou a gratuidade do registro de nascimento, não conseguiu concretizar o justo acesso à documentação. Isso ocorre pois não se trata essencialmente de uma questão financeira, mas sim de um entrave político: não basta que a retirada do documento não seja paga, é preciso que seja oferecida de forma acessível. Nesse sentido, diante da ausência de medidas que criem ações populares para levar essa oportunidade à parcela invisível da população, o cenário tende a permanecer o mesmo. Como resultado disso, afastamo-nos do ideal de justiça proposto por Rosseau, uma vez que as leis existentes são ineficazes para garantir o combate à subcidadania.
A princípio, [Note que o conectivo "A princípio" dá progressão ao texto, indicando que a argumentação que defenderá os pontos de tese anteriormente apresentados começa aqui, sendo, assim, um conectivo de início] destaca-se a dimensão política dessa discussão [O tópico frasal retoma o primeiro ponto de tese - ausência de ações governamentais - mantendo a estratégia de construir uma progressão textual. Ele não precisa ser muito longo]. Segundo o filósofo francês, Rosseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. No entanto, essa premissa se distancia da prática brasileira, pois a lei de 1997, que determinou a gratuidade do registro de nascimento, não conseguiu concretizar o justo acesso à documentação [Marina, aqui, apresentou uma articulação de dois repertórios - Rosseau e uma lei - e esse período teve principalmente esta função: apresentar o(s) repertório(s), já que o comentário crítico que trará a interpretação da autora para os materiais citados virá na sequência, associando os repertórios ao ponto de tese em questão e ao próprio tema]. Isso ocorre pois não se trata essencialmente de uma questão financeira, mas sim de um entrave político: não basta que a retirada do documento não seja paga, é preciso que seja oferecida de forma acessível. Nesse sentido, diante da ausência de medidas que criem ações populares para levar essa oportunidade à parcela invisível da população, o cenário tende a permanecer o mesmo. Como resultado disso, afastamo-nos do ideal de justiça proposto por Rosseau, uma vez que as leis existentes são ineficazes para garantir o combate à subcidadania [Observe que, nos últimos dos parágrafos, a autora falava por si, ainda que com uma linguagem devidamente impessoal, como se orienta para o texto dissertativo-argumentativo. Ou seja, é Aline e não Rosseau quem diz que o problema exige vontade política].
Além disso, nota-se que há fatores culturais que corroboram esse contexto. Embora proposta pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 3, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” é afastada pela passividade diante da falta de democratização da documentação civil. De um lado, há aqueles diretamente atingidos por esse drama e que, sem acesso a informações sobre como e onde retirar seus documentos, mantêm-se alheios à discussão e à sua resolução, dando continuidade, inclusive, ao que é, muitas vezes, uma prática comum em suas famílias há gerações. De outro, as pessoas devidamente registradas, de modo geral, sequer percebem a existência do problema, pois são poucos os debates sobre a legião de brasileiros invisíveis, aos quais qualquer tipo de direito é negado. Com isso, liberdade, justiça e solidariedade são metas cada vez mais distantes.
Além disso [Neste parágrafo, o conectivo interparágrafo não é mais de início, mas de acréscimo, já que a argumentação continua], nota-se que há fatores culturais que corroboram esse contexto [Há, mais uma vez, a construção de um tópico frasal que retoma o ponto de tese que será desenvolvido. Agora, o tópico é ainda mais importante, já que a distância entre o 3º e o 1º parágrafo é maior]. Embora proposta pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 3, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” é afastada pela passividade diante da falta de democratização da documentação civil [Apesar de breve, ainda se observa a apresentação do repertório sociocultural, o mesmo, inclusive, usado na introdução]. De um lado, há aqueles diretamente atingidos por esse drama e que, sem acesso a informações sobre como e onde retirar seus documentos, mantêm-se alheios à discussão e à sua resolução, dando continuidade, inclusive, ao que é, muitas vezes, uma prática comum em suas famílias há gerações. De outro, as pessoas devidamente registradas, de modo geral, sequer percebem a existência do problema, pois são poucos os debates sobre a legião de brasileiros invisíveis, aos quais qualquer tipo de direito é negado. Com isso, liberdade, justiça e solidariedade são metas cada vez mais distantes [O comentário crítico, por sua vez, adiciona "corpo" ao parágrafo, que teve brevidade tanto no tópico frasal quanto na apresentação do repertório. É válido observar que ambos os repertórios utilizados são pertinentes ao tema, já que se associam a ele de forma efetiva; são legitimados, uma vez que encontram respaldo na realidade; e são produtivos, pois contam com desenvolvimento por meio de comentário crítico].