
Durante uma transmissão ao vivo, no Instagram, sobre os direitos dos animais, promovida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a apresentadora Xuxa Meneghel defendeu a realização de experimentos médicos em Pessoas Privadas de Liberdade (PPL).
As manchetes deixam a gente acreditar que a parte mais chocante da fala de Xuxa foi a sugestão de uso involuntário de PPL para testes médicos. Mas isso foi só a ponta do iceberg.
“Eu tenho um pensamento que pode parecer muito ruim para as pessoas, que pode parecer desumano“
É possível notar que ela tem total consciência do que seu pensamento é e procura atenuar com um eufemismo: “pode parecer, mas não é“.
“Acho que pelo menos eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu? Para ajudar a salvar vidas, com remédios, tudo”
Além de permitir a compreensão de que existem vidas que não precisam ser salvas, essa fala vai de encontro ao Art. 38 do Código Penal: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade. Impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral“.
“Aí vai vir um pessoal que é dos direitos humanos e vai dizer ‘não, eles não podem ser usados’. Mas se são pessoas que já estão provadas que vão viver 60 anos na cadeia, 50 anos na cadeia e vão morrer lá…“
Note que, neste trecho da conversa ao vivo, Xuxa não se inclui entre aqueles que valorizam os direitos humanos e ignora completamente o fato de que, no Brasil, a pena máxima de reclusão é de 40 anos, não havendo prisão perpétua. É importante dizer que Xuxa é completamente responsável pelo que disse e, principalmente, pelo que pensa. Mas é também importante apontar que seu discurso é sintoma de uma estrutura que reserva os “direitos humanos a humanos direitos”.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, de cada três presos, dois eram negros. Ainda conforme o Fórum, “no Brasil, se prende cada vez mais, mas, sobretudo, cada vez mais pessoas negras”. Maioria na população, nas cadeias e no quadro de vítimas de homicídio, negros estão em menor número justamente no Congresso Nacional, de acordo com o jornal “O Globo”, representando 17,8% de senadores e deputados em 2019.
Qual é o tema?
Xuxa publicou pedido de desculpas e, diferente de outros pedidos, admitiu que estava errada e que os erros de sua fala foram apontados de maneira necessária. O discurso, no entanto, segue sendo um pretexto para refletirmos sobre temas relevantes, tais como:
Racismo estrutural;
Representação política;
Sistema prisional brasileiro;
A reforma do código penal brasileiro em discussão;
A importância dos direitos humanos na sociedade brasileira contemporânea.
Parágrafo exemplar
Tema: Sistema prisional brasileira.
Sob esse viés é possível observar que a precarização do sistema prisional é agravada por fatores socioculturais. Nesse sentido, a sociedade parece ter se esquecido de que as penitenciárias, para além de instrumentos punitivos, devem servir também à reabilitação. Exemplo desse esquecimento ficou notável no começo de 2021, quando a apresentadora Xuxa Meneghel defendeu a realização de experimentos médicos em presidiários, durante conversa transmitida ao vivo pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Apesar de pessoal, o discurso espontâneo da “rainha dos baixinhos” revelou um preconceito estrutural que dificulta o apoio a ações que transformam os presídios em lugares mais dignos.
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